Seria possível a vida sem regras. Autores antigos e clássicos teorizarão a respeito. Existe o homem em estado natural desprotegidos de preceitos? Meu ídolo de adolescência o cantor Raul Seixas fazia apologia do individualismo exacerbado dizia “você é tudo da lei.” Conceito inserido no homem no seu estado natural. Totalmente utópico o homem em sociedade sem o labirinto das leis. O filosofo Aristóteles dizia “que a lei é a razão despregada da paixão.” Começa aí um retratado do homem governado por regras. Um mundo sustentado por leis insere a história humana para ficar. Contrário aos ímpetos narcísicos nasce o homem social.
Retirar do interior humano um mar sem redes parece uma tarefa hercúlea.
Nosso interior natural é de desejos infinitos, paixões cegas e interesses incontidos. Com esses adjetivos naturais seria concebível uma sociedade funcional? Logicamente que não. Começou varrerem do interior humano seu conteúdo narcísico, impondo barreiras regradas, contendo seus impérios individualistas. O homem social é um artificialismo ao caso que o homem sem regras, apesar de utópicas seria o individuo em seu estado puro. Por isto as regras dentro do mundo social muitas vezes são transgredidas e não obedecidas. Conter os ímpetos venenosos que contamina a sociedade e reside no antro de nossa arquitetura comportamental, absolutamente é impossível. Camuflar o mundo subterrâneo dos ilícitos exige controle social proporcional ao potencial criminoso. Regras são impostas e muitas vezes o alvo não é atingido. Homens atuam na periferia da criminalidade, congestionando o mundo da torpeza humana.
Hoje à medida que o homem começa a dar sobressaltos vigorosos de ilicitude no seu destino de sonhos desenfreados vem o excesso de regras para voltar sua atenção que é melhor darem passos comedidos e para frente do que sobrevoar as alturas com asas dos ilícitos.
Existe no mundo contemporâneo proveniente de preceitos constitucionais um modo de produzir direitos. São as leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decreto legislativo e medidas provisórias. Houve um fortalecimento descomunal do executivo, trazendo os desequilíbrios. Leis delegadas e medidas provisórias são as novas intromissões do executivo na feitura da lei.
Leis delegadas apesar de ser uma solicitação que o chefe do executivo faz ao legislativo e ser supervisionada pelo próprio legislativo são prerrogativas generosas que extrapola as funções executivas. Medidas provisórias é uma imposição legal excessivamente prejudicial a harmonia dos poderes. Apesar da urgência e relevância que são seus critérios definidores muitas vezes vêm camuflados de interesses viciosos políticos.
Sua sistematização é autoritária e sua necessidade limitada. Sua pungência contamina a boa convivência dos três poderes. Para fortalecer ainda mais o executivo existe ainda o regulamento.
É no legislativo o estado natural da fabricação das leis, onde o que vimos é uma superposição do executivo, exacerbando a autonomia legislativa, retirando do legislativo sua função predominante.
A história da lei confunde com a história do homem. Os purismos das funções predominantes nos três poderes no seu estado nativo foram totalmente deturpados com o avanço do tempo. O pragmatismo do poder está construindo uma nova historia, fortalecendo demasiadamente o executivo, enfraquecendo o legislativo e o judiciário. Esta hipertrofia do poder é de tamanha magnitude que este clássico modelo distancia de sua formação inicial. Hoje os dois poder judiciário e o legislativo parecem apêndices do poder executivo. A situação é preocupante e em nome da funcionalidade sacrificou demasiadamente a predominância original da partilha dos três poderes.
Sabemos que os impérios da lei não podem transformar em castelos de areia. O homem é produto da lei e resultados de seus efeitos. É impossível uma sociedade sem lei. Nosso destino humano está amordaçado dentro do labirinto legal. A lei liberta interesses humanos de seus egoísmos, prende a paixão a racionalidade, contamina a liberdade de vocacionalidade libertária. Aproxima as margens do rio e leva o homem para posar em solo solido onde as racionalidades sobrepõem à paixão e contamina de atitudes defenestrada.
O império da lei deve ser evidente para o homem partilhar suas virtudes, enterrar sua sordidez e passar para geração futura um legado de como ser vencedor dentro de uma sociedade, seguindo os parâmetros legais. O homem do futuro será o mesmo do homem passado o que muda é a eficiência da lei para sepultar a sordidez humana e fazer aflorar as virtudes que muitas vezes ficam retidas em muralha fortificadora de depósitos congênito de defeitos marginais, envenenando o habitat natural do ser humano.
Noticia sobre Kant
Margarida Rebelo Pinto seduzida pela jovem Harriet Rose
Texto: Pedro Justino Alves
Texto: Pedro Justino Alves
Margarida Rebelo Pinto confessou na FNAC Chiado que um dos seus maiores prazeres como «leitora compulsiva» é conhecer, tropeçar, descobrir um novo autor. E foi isso que aconteceu quando leu «A Sabedoria Infinita de Harriet Rose», da ex-manequim britânica Diana Janney, editado entre nós pela Arcádia. A inteligência presente no livro cativou Rebelo Pinto, que assegurou que a obra é lida sempre com um sorriso nos lábios, pois nas suas folhas encontramos o inigualável humor britânico, «algo tão apreciado por nós, portugueses».
«´Pensamento trinta e três´, disse eu, e comecei a ler:
Uma vez perdi uma corrida quando a tinha vencido.
Aprendi que a vida raramente é justa.
Observei enquanto faziam dos perdedores vencedores,
Fingindo que não me importava.
Saboreei a beleza da vitória.
Provei a alegria do sucesso.
Deliciei-me com o falhanço dos rivais
Procurei a perfeição, nada menos.
Mas agora que me fazem vencedora
Hesito enquanto aplaudem.
Ganhar pode ser perder por vezes.
A perfeição com defeito é preferível.
Por isso digam -me que ganhei, mas com cautela.
Lembrem -me dos outros que perderam.
E todos esperaremos pela última cortina
Que nos ensinará o que implicou ganhar»
Foi com esta passagem do livro que Margarida Rebelo Pinto terminou (e resumiu) a sua apresentação, sublinhando o prazer que sentiu com a leitura de «A Sabedoria Infinita de Harriet Rose»: «Gosto de livros que fazem rir e ensinam ao mesmo tempo». Essas duas características, fazer rir e ensinar, são as principais do livro e criam «laços de empatia imediatas com a autora».
«´A Sabedoria Infinita de Harriet Rose` é um romance muito divertido sobre uma teenager de 14 anos em Londres, que, de um dia para o outro, fica famosa devido à publicação dos seus pensamentos. A edição do livro foi uma prenda da mãe e da avó, que passam a ser as suas agente e directora comercial.»
Rebelo Pinto salientou «a subtileza e a elegância» da história, uma história bem construída que tem tudo para seduzir os leitores, advogou, justificando a opinião com a sua própria experiência como autora.
«Não é uma boa campanha publicitária ou um título e uma capa pomposa que vendem um livro. Isso ajuda, mas o essencial é o seu interior. E, em ´A Sabedoria Infinita de Harriet Rose`, temos um enorme conteúdo, um livro inteligente e muito divertido.»
E é capaz de ser verdade, já que, enquanto Diana Janney lia fragmentos da sua obra para a assistência, o marido Alistair, que filmava a apresentação para mais tarde recordar com os filhos e netos («Aqui é a mãe/avó a apresentar o seu livro em Lisboa, num inigualável fim de tarde no Chiado»…), não conseguia conter o riso, apesar de estar nestas andanças há mais de dois anos, quando o livro foi editado em Inglaterra (certamente quando os filhos e netos virem a gravação irão reclamar da realização e queixar-se das trepidações…).
«Além do humor, o livro apresenta ensinamentos filosóficos, mas sempre de forma simples para o leitor, nada entediantes e cansativos. Há várias reflexões onde notamos um notável background de filosofia.»
Background porque Diana Janney, uma amante do xadrez, é pós-graduada em Filosofia na University College London. Em Inglaterra o livro foi inclusive comparado por alguns a «O Mundo de Sofia», de Jostein Gaarder, uma comparação algo descabida para uma grande maioria, já que, em «A Sabedoria Infinita de Harriet Rose», não há profundas reflexões e teorias filosóficas, apesar de Harriet ser influenciada por filósofos como Kant, Descartes, Heráclito e, claro, Marcus Aurelius, o seu preferido.
Janney assegura que não se inspirou em si própria para criar Harriet Rose, embora admita partilhar algumas paixões e traços da sua personalidade («Assim como acontece com a família de Rose, que espero que tenha algo da minha mãe e da minha avó.»). A autora acredita que o seu livro pode servir de inspiração para os mais novos, já que a personagem principal evita, foge do êxito. «Ela não pretende ser famosa, não quer chegar a nenhum lado em especial», uma postura que se afasta daquilo que vivemos hoje em dia, em que a sede de sucesso dita as suas muitas vezes nada aconselháveis leis. «O que fica neste livro é a auto-crítica, a auto-análise de Harriet Rose, que procura sempre retirar lições de vida sobre o que está a acontecer, mas sempre com humor e um sorriso na cara, sem se tornar chata como por vezes são os adolescentes», concluiu Margarida Rebelo Pinto antes de ler o trecho com que terminou a sua apresentação.
«´Pensamento trinta e três´, disse eu, e comecei a ler:
Uma vez perdi uma corrida quando a tinha vencido.
Aprendi que a vida raramente é justa.
Observei enquanto faziam dos perdedores vencedores,
Fingindo que não me importava…»
Noticias sobre Peter Singer
Entrevista com Peter Singer (português)
Entrevista com o filósofo Peter Singer, um dos mais importantes teóricos dos direitos dos animais. Entrevista publicada em 2000 na revista de filosofia portuguesa "Crítica".
Peter Singer
Um Sócrates para o século XXI
Desidério Murcho
Peter Singer é um homem perigoso. Como Sócrates, não se inibe de pôr em causa as nossas ideias mais queridas: a ideia de que a vida é sagrada, o especismo, que nos faz excluir os animais da esfera da moral como o racismo excluía os negros, e a ideia de que temos o direito a jantar tranquilamente no Ritz quando há pessoas a morrer de fome que podíamos ajudar com esse dinheiro. Singer doa 1/3 do seu rendimento à ajuda aos famintos do mundo. Não come animais. Esta coerência socrática torna-o incómodo. Claro.
Dá aulas com a polícia à porta, para os manifestantes não o impedirem de leccionar. É acusado de ser Nazi, mas é na verdade um filósofo de esquerda, que luta incansavelmente em prol da liberdade e da igualdade. Foi impedido de falar na Alemanha e na Áustria. É autor de uma vasta bibliografia filosófica na área da ética aplicada. Publicam-se agora em Portugal pela primeira vez duas obras clássicas do autor: a Ética Prática, na Gradiva, e a Libertação Animal, na Via Optima. Esteve em Lisboa em Junho de 2000, para proferir uma conferência.
Para as pessoas que encaram a filosofia como uma actividade completamente apartada da vida quotidiana, a expressão "ética aplicada" parece uma contradição. Pode dizer-nos o que é a ética aplicada e como encara a filosofia?
A filosofia é o estudo daquelas questões últimas, sobre a natureza do mundo e como devemos agir, para as quais não há qualquer método científico para encontrar respostas. A ética é o ramo da filosofia que se dedica a questões sobre valores, juízos morais e como devemos conduzir a nossa vida. Apesar de parte da discussão destas matérias ser conduzida a um nível bastante abstracto, no que diz respeito à natureza do juízo moral e no que diz respeito a teorias gerais que possam guiar a nossa conduta, é também possível aplicar estas teorias a questões mais práticas, com as quais nos confrontamos realmente nas nossas vidas quotidianas. É isto a ética aplicada.
Significa isto que a ética aplicada é de algum modo uma investigação empírica?
A ética aplicada só pode ser estudada possuindo um conhecimento adequado dos factos relevantes; por isso, tem de se apoiar na investigação empírica e por vezes os próprios especialistas em ética aplicada podem conduzir uma investigação empírica considerável (como eu fiz quando, para o meu livro "Libertação Animal", investiguei as condições de vida dos animais criados em quintas, por exemplo). Mas a ética aplicada não é em si uma investigação empírica.
O seu trabalho na ética aplicada foi crucial para estabelecer a respeitabilidade académica desta área. Como encara o desenvolvimento da ética aplicada desde que começou a trabalhar na área?
Estou muito contente com o seu desenvolvimento. Virtualmente todos os departamentos de filosofia do mundo de língua inglesa, e mesmo de outros países — por exemplo, Alemanha, Itália, Dinamarca, Suécia, Israel, Japão, Hong Kong, Singapura e outros — ensinam agora ética aplicada. A disciplina é bem recebida pelos estudantes. Além disso, há uma bibliografia académica enorme na área, que conta com um elevado número de livros e revistas, coisa que não existia há 30 anos, quando eu era estudante.
Para algumas pessoas, as suas conclusões não são persuasivas, apesar de serem incapazes de contra-argumentar. Num certo sentido, sentem que o que se estabelece recorrendo à argumentação racional deixa muita coisa de fora. Como reage a esta posição?
Em primeiro lugar, deixe-me dizer que apesar de eu pensar que a argumentação racional é essencial para justificar as nossas decisões, não me inclino nada a ignorar as emoções. As emoções são muito importantes e têm de ser levadas em conta por qualquer teoria adequada de como devemos agir. A própria teoria não seria racional se ignorasse uma parte tão central das nossas vidas. À parte isso, penso que o ónus da prova pertence às pessoas a que se refere; serão elas que terão de dizer o que está errado no que defendo. Como poderemos decidir de outra maneira?
Elas dirão provavelmente que as escolhas éticas têm de se guiar não pela razão e pela argumentação, mas pela emoção e pelos sentimentos religiosos. Elas pensam que a argumentação e a razão não é suficiente para estabelecer práticas éticas.
Mas a emoção também não. Acho que foi Goering que disse o seguinte, a alguém que lhe apresentou um contra-argumento: "Eu penso com o meu sangue". Se rejeitamos a razão, as emoções de Goering tornam-se irrefutáveis.
No livro "Rethinking Life and Death" procura mostrar que os princípios éticos que herdámos estão desajustados do mundo real, em parte devido a desenvolvimentos tecnológicos que conseguem manter as pessoas em coma durante anos, por exemplo. Mas não será que uma revisão dos nossos princípios éticos é algo de perigoso e que devemos recear?
Nós estamos, em qualquer caso, a proceder à revisão dos nossos princípios éticos. Já aconteceu quando adoptámos o critério da "morte cerebral" para decidir quando alguém está morto, aconteceu quando aceitámos o aborto, e acontece hoje quando decidimos que podemos desligar a máquina que mantém viva uma pessoa em estado vegetativo. É melhor que tenhamos um espírito aberto sobre estas coisas e que discutamos o que estamos a fazer e porquê. A longo prazo, isso será menos perigoso do que qualquer alternativa que consigo entrever.
Todavia, as pessoas religiosas encaram o aborto e a eutanásia quase como o mal absoluto. Pensam que ao tentar pensar nestas matérias no exterior de um contexto religioso estamos condenados a chegar a conclusões erradas.
Sim, e se elas pudessem demonstrar que Deus existe, ou até fornecer indícios persuasivos a favor da sua existência, da autoridade das Escrituras ou do Papa, ou de seja o que for em que acreditam, então teriam obviamente de ser levados a sério. Mas elas não conseguem fazer nada disso; por isso por que razão deveremos aceitar as suas ideias?
As suas ideias éticas baseiam-se no "princípio da universalizabilidade". Pode explicar-nos o que é esse princípio e como pode ele mudar o modo como agimos e pensamos relativamente a questões como os direitos dos animais, a ajuda aos países pobres e o problema dos refugiados?
A universalizabilidade é como a "Regra de Ouro". Quando adoptamos uma postura moral devemos considerar as questões do ponto de vista de todos os que serão afectados. Isto significa que temos de nos colocar imaginariamente na posição deles, assim como na nossa, e de decidir o que fazer depois de dar tanto peso às suas preferências como o que damos às nossas. Se fizéssemos isto relativamente às pessoas mais pobres que vivem nos países menos desenvolvidos, veríamos que gastamos dinheiro em luxos, como refeições em restaurantes caros, que poderiam fazer uma grande diferença nas vidas dos pobres do mundo. Se déssemos aos interesses destes pobres o mesmo peso que damos aos nossos, como devíamos fazer, daríamos esse dinheiro a organizações que ajudam essas pessoas a superar a sua pobreza e a tornarem-se auto-suficientes.
Analogamente, receberíamos mais refugiados, pois compreenderíamos a enorme diferença que isso faria na vida deles e quão pequeno seria o impacte nas nossas vidas.
Por último, não é fácil colocarmo-nos na posição dos animais, mas devemos tentar fazê-lo. O facto de os animais não serem membros da nossa espécie não pode justificar o nosso desrespeito pelos seus interesses — tal como não podemos justificar o desrespeito pelos interesses de outros seres humanos com base no facto de não pertencerem à nossa nação ou raça. Quando nos colocamos efectivamente no lugar dos animais vemos que os interesses que a exploração pecuária intensiva serve — obrigando-a, por exemplo, a produzir carne de porco criando estes animais em jaulas tão estreitas que eles nem se podem voltar — não pode justificar o sofrimento dos porcos. Para nós, a preferência por carne de porco é apenas um prazer do palato — uma preferência por carne em detrimento da culinária vegetariana. Mas para os porcos representa uma vida de miséria, tédio e privação. Isto é algo que não se pode defender de um ponto de vista que tome em consideração os interesses dos animais, como deveríamos fazer.
Mas algumas pessoas encaram a sua abordagem da ética como "um mero cálculo de interesses" e não como uma verdadeira reflexão ética.
Por que razão não é um cálculo de interesses uma "verdadeira reflexão ética"?
Porque do seu ponto de vista a ética não deve ser cultivada pelo seu valor, mas apenas porque é para nós melhor cultivar a ética.
É melhor não apenas para "nós" mas para todos os seres que serão afectados pelas nossas acções. O que poderá constituir uma maior razão moral para agir do que isto?
Os seus críticos mais ferozes acusam-no de defender ideias Nazis por não respeitar o direito à vida dos deficientes. Isto é verdade?
É uma acusação absurda. Em primeiro lugar, penso que as pessoas deficientes que queiram continuar a viver têm exactamente o mesmo direito à vida do que qualquer outra pessoa; por isso é falso que eu não respeito o direito à vida dessas pessoas. Em segundo lugar, os meus familiares eram refugiados fugidos aos Nazis e três dos meus avós morreram no Holocausto. O meu objectivo é dar mais autonomia aos pais no que respeita às decisões de vida ou de morte relacionadas com os seus filhos. Gostaria de prevenir o sofrimento desnecessário e não de promover uma ideologia racista e totalitária que constitui a absoluta antítese do que penso.
No livro "Ética Prática" e depois em "How Are We To Live?" apresentou a vida ética como uma alternativa melhor à vacuidade da vida moderna. Será esta perspectiva realmente persuasiva?
Não conseguirei convencer todas as pessoas, mas há muitas delas que me dizem terem achado o livro "How Are We to Live?" inspirador. Por isso, parece que algumas pessoas se identificam com esta perspectiva.
Na "Ética Prática" enfrenta um dos argumentos mais populares contra o aborto: o argumento da potencialidade. Pode apresentar os seus contra-argumentos principais contra este argumento?
Muito brevemente: por que razão deveremos dar valor ao embrião por causa da sua potencialidade para se transformar num ser humano, mas não dar valor ao óvulo e ao esperma, quando estes estão separados mas os consideramos em conjunto, por causa da sua potencialidade para se transformarem num ser humano? A potencialidade é a mesma em ambos os casos. O que há de tão mágico quanto ao facto de o esperma se ter juntado ao óvulo que confere subitamente ao embrião um precioso direito à vida, quando o esperma e o óvulo não tinham esse direito?
Como vê os alimentos transgénicos e a clonagem de seres humanos?
Não estou especialmente preocupado com a clonagem de seres humanos — se tal chegar a acontecer será numa escala muito reduzida e não penso que venha a provocar grande mal. Mas as plantas transgénicas poderão tornar-se catástrofes ambientais, e constituem uma verdadeira preocupação.
Que conselho daria a estudantes portugueses que estão a pensar especializar-se em ética aplicada?
É importante que cada país e cada cultura tenha pessoas que pensam profundamente sobre as questões éticas mais importantes. A ética aplicada é uma maneira de tornar a filosofia relevante para a vida prática. Visto que a área é ainda muito nova em Portugal, oferece oportunidades estimulantes.
Um Sócrates para o século XXI
Desidério Murcho
Peter Singer é um homem perigoso. Como Sócrates, não se inibe de pôr em causa as nossas ideias mais queridas: a ideia de que a vida é sagrada, o especismo, que nos faz excluir os animais da esfera da moral como o racismo excluía os negros, e a ideia de que temos o direito a jantar tranquilamente no Ritz quando há pessoas a morrer de fome que podíamos ajudar com esse dinheiro. Singer doa 1/3 do seu rendimento à ajuda aos famintos do mundo. Não come animais. Esta coerência socrática torna-o incómodo. Claro.
Dá aulas com a polícia à porta, para os manifestantes não o impedirem de leccionar. É acusado de ser Nazi, mas é na verdade um filósofo de esquerda, que luta incansavelmente em prol da liberdade e da igualdade. Foi impedido de falar na Alemanha e na Áustria. É autor de uma vasta bibliografia filosófica na área da ética aplicada. Publicam-se agora em Portugal pela primeira vez duas obras clássicas do autor: a Ética Prática, na Gradiva, e a Libertação Animal, na Via Optima. Esteve em Lisboa em Junho de 2000, para proferir uma conferência.
Para as pessoas que encaram a filosofia como uma actividade completamente apartada da vida quotidiana, a expressão "ética aplicada" parece uma contradição. Pode dizer-nos o que é a ética aplicada e como encara a filosofia?
A filosofia é o estudo daquelas questões últimas, sobre a natureza do mundo e como devemos agir, para as quais não há qualquer método científico para encontrar respostas. A ética é o ramo da filosofia que se dedica a questões sobre valores, juízos morais e como devemos conduzir a nossa vida. Apesar de parte da discussão destas matérias ser conduzida a um nível bastante abstracto, no que diz respeito à natureza do juízo moral e no que diz respeito a teorias gerais que possam guiar a nossa conduta, é também possível aplicar estas teorias a questões mais práticas, com as quais nos confrontamos realmente nas nossas vidas quotidianas. É isto a ética aplicada.
Significa isto que a ética aplicada é de algum modo uma investigação empírica?
A ética aplicada só pode ser estudada possuindo um conhecimento adequado dos factos relevantes; por isso, tem de se apoiar na investigação empírica e por vezes os próprios especialistas em ética aplicada podem conduzir uma investigação empírica considerável (como eu fiz quando, para o meu livro "Libertação Animal", investiguei as condições de vida dos animais criados em quintas, por exemplo). Mas a ética aplicada não é em si uma investigação empírica.
O seu trabalho na ética aplicada foi crucial para estabelecer a respeitabilidade académica desta área. Como encara o desenvolvimento da ética aplicada desde que começou a trabalhar na área?
Estou muito contente com o seu desenvolvimento. Virtualmente todos os departamentos de filosofia do mundo de língua inglesa, e mesmo de outros países — por exemplo, Alemanha, Itália, Dinamarca, Suécia, Israel, Japão, Hong Kong, Singapura e outros — ensinam agora ética aplicada. A disciplina é bem recebida pelos estudantes. Além disso, há uma bibliografia académica enorme na área, que conta com um elevado número de livros e revistas, coisa que não existia há 30 anos, quando eu era estudante.
Para algumas pessoas, as suas conclusões não são persuasivas, apesar de serem incapazes de contra-argumentar. Num certo sentido, sentem que o que se estabelece recorrendo à argumentação racional deixa muita coisa de fora. Como reage a esta posição?
Em primeiro lugar, deixe-me dizer que apesar de eu pensar que a argumentação racional é essencial para justificar as nossas decisões, não me inclino nada a ignorar as emoções. As emoções são muito importantes e têm de ser levadas em conta por qualquer teoria adequada de como devemos agir. A própria teoria não seria racional se ignorasse uma parte tão central das nossas vidas. À parte isso, penso que o ónus da prova pertence às pessoas a que se refere; serão elas que terão de dizer o que está errado no que defendo. Como poderemos decidir de outra maneira?
Elas dirão provavelmente que as escolhas éticas têm de se guiar não pela razão e pela argumentação, mas pela emoção e pelos sentimentos religiosos. Elas pensam que a argumentação e a razão não é suficiente para estabelecer práticas éticas.
Mas a emoção também não. Acho que foi Goering que disse o seguinte, a alguém que lhe apresentou um contra-argumento: "Eu penso com o meu sangue". Se rejeitamos a razão, as emoções de Goering tornam-se irrefutáveis.
No livro "Rethinking Life and Death" procura mostrar que os princípios éticos que herdámos estão desajustados do mundo real, em parte devido a desenvolvimentos tecnológicos que conseguem manter as pessoas em coma durante anos, por exemplo. Mas não será que uma revisão dos nossos princípios éticos é algo de perigoso e que devemos recear?
Nós estamos, em qualquer caso, a proceder à revisão dos nossos princípios éticos. Já aconteceu quando adoptámos o critério da "morte cerebral" para decidir quando alguém está morto, aconteceu quando aceitámos o aborto, e acontece hoje quando decidimos que podemos desligar a máquina que mantém viva uma pessoa em estado vegetativo. É melhor que tenhamos um espírito aberto sobre estas coisas e que discutamos o que estamos a fazer e porquê. A longo prazo, isso será menos perigoso do que qualquer alternativa que consigo entrever.
Todavia, as pessoas religiosas encaram o aborto e a eutanásia quase como o mal absoluto. Pensam que ao tentar pensar nestas matérias no exterior de um contexto religioso estamos condenados a chegar a conclusões erradas.
Sim, e se elas pudessem demonstrar que Deus existe, ou até fornecer indícios persuasivos a favor da sua existência, da autoridade das Escrituras ou do Papa, ou de seja o que for em que acreditam, então teriam obviamente de ser levados a sério. Mas elas não conseguem fazer nada disso; por isso por que razão deveremos aceitar as suas ideias?
As suas ideias éticas baseiam-se no "princípio da universalizabilidade". Pode explicar-nos o que é esse princípio e como pode ele mudar o modo como agimos e pensamos relativamente a questões como os direitos dos animais, a ajuda aos países pobres e o problema dos refugiados?
A universalizabilidade é como a "Regra de Ouro". Quando adoptamos uma postura moral devemos considerar as questões do ponto de vista de todos os que serão afectados. Isto significa que temos de nos colocar imaginariamente na posição deles, assim como na nossa, e de decidir o que fazer depois de dar tanto peso às suas preferências como o que damos às nossas. Se fizéssemos isto relativamente às pessoas mais pobres que vivem nos países menos desenvolvidos, veríamos que gastamos dinheiro em luxos, como refeições em restaurantes caros, que poderiam fazer uma grande diferença nas vidas dos pobres do mundo. Se déssemos aos interesses destes pobres o mesmo peso que damos aos nossos, como devíamos fazer, daríamos esse dinheiro a organizações que ajudam essas pessoas a superar a sua pobreza e a tornarem-se auto-suficientes.
Analogamente, receberíamos mais refugiados, pois compreenderíamos a enorme diferença que isso faria na vida deles e quão pequeno seria o impacte nas nossas vidas.
Por último, não é fácil colocarmo-nos na posição dos animais, mas devemos tentar fazê-lo. O facto de os animais não serem membros da nossa espécie não pode justificar o nosso desrespeito pelos seus interesses — tal como não podemos justificar o desrespeito pelos interesses de outros seres humanos com base no facto de não pertencerem à nossa nação ou raça. Quando nos colocamos efectivamente no lugar dos animais vemos que os interesses que a exploração pecuária intensiva serve — obrigando-a, por exemplo, a produzir carne de porco criando estes animais em jaulas tão estreitas que eles nem se podem voltar — não pode justificar o sofrimento dos porcos. Para nós, a preferência por carne de porco é apenas um prazer do palato — uma preferência por carne em detrimento da culinária vegetariana. Mas para os porcos representa uma vida de miséria, tédio e privação. Isto é algo que não se pode defender de um ponto de vista que tome em consideração os interesses dos animais, como deveríamos fazer.
Mas algumas pessoas encaram a sua abordagem da ética como "um mero cálculo de interesses" e não como uma verdadeira reflexão ética.
Por que razão não é um cálculo de interesses uma "verdadeira reflexão ética"?
Porque do seu ponto de vista a ética não deve ser cultivada pelo seu valor, mas apenas porque é para nós melhor cultivar a ética.
É melhor não apenas para "nós" mas para todos os seres que serão afectados pelas nossas acções. O que poderá constituir uma maior razão moral para agir do que isto?
Os seus críticos mais ferozes acusam-no de defender ideias Nazis por não respeitar o direito à vida dos deficientes. Isto é verdade?
É uma acusação absurda. Em primeiro lugar, penso que as pessoas deficientes que queiram continuar a viver têm exactamente o mesmo direito à vida do que qualquer outra pessoa; por isso é falso que eu não respeito o direito à vida dessas pessoas. Em segundo lugar, os meus familiares eram refugiados fugidos aos Nazis e três dos meus avós morreram no Holocausto. O meu objectivo é dar mais autonomia aos pais no que respeita às decisões de vida ou de morte relacionadas com os seus filhos. Gostaria de prevenir o sofrimento desnecessário e não de promover uma ideologia racista e totalitária que constitui a absoluta antítese do que penso.
No livro "Ética Prática" e depois em "How Are We To Live?" apresentou a vida ética como uma alternativa melhor à vacuidade da vida moderna. Será esta perspectiva realmente persuasiva?
Não conseguirei convencer todas as pessoas, mas há muitas delas que me dizem terem achado o livro "How Are We to Live?" inspirador. Por isso, parece que algumas pessoas se identificam com esta perspectiva.
Na "Ética Prática" enfrenta um dos argumentos mais populares contra o aborto: o argumento da potencialidade. Pode apresentar os seus contra-argumentos principais contra este argumento?
Muito brevemente: por que razão deveremos dar valor ao embrião por causa da sua potencialidade para se transformar num ser humano, mas não dar valor ao óvulo e ao esperma, quando estes estão separados mas os consideramos em conjunto, por causa da sua potencialidade para se transformarem num ser humano? A potencialidade é a mesma em ambos os casos. O que há de tão mágico quanto ao facto de o esperma se ter juntado ao óvulo que confere subitamente ao embrião um precioso direito à vida, quando o esperma e o óvulo não tinham esse direito?
Como vê os alimentos transgénicos e a clonagem de seres humanos?
Não estou especialmente preocupado com a clonagem de seres humanos — se tal chegar a acontecer será numa escala muito reduzida e não penso que venha a provocar grande mal. Mas as plantas transgénicas poderão tornar-se catástrofes ambientais, e constituem uma verdadeira preocupação.
Que conselho daria a estudantes portugueses que estão a pensar especializar-se em ética aplicada?
É importante que cada país e cada cultura tenha pessoas que pensam profundamente sobre as questões éticas mais importantes. A ética aplicada é uma maneira de tornar a filosofia relevante para a vida prática. Visto que a área é ainda muito nova em Portugal, oferece oportunidades estimulantes.
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